O Rei de Nova York (Abel Ferrara, 1990)

Abel Ferrara filma a primeira parte de sua ‘dança da morte’, que retomaria em seu filme seguinte, Vício Frenético, mas dando uma abordagem completamente diferente à ação e ao universo em que se insere. O Rei de Nova York deve ser o filme que melhor trabalha o gênero cinematográfico dentro do cinema do diretor – sem deixar a iconoclastia de lado em nenhum momento, naturalmente -, e ainda assim poderia ser apontado como um dos trabalhos mais pessoais, ou então representativos, da carreira dele. Talvez por isso mesmo seja tão fascinante e tenha se transformado ao longo dos anos em seu filme mais popular.

Como de costume, existe o corte total dos dois primeiros atos – e não é raro ele fazer filmes de um ato só -, que pouco importam a Ferrara, começando o filme exatamente de onde há o princípio dos últimos passos em vida – física – do magnata do tráfico de drogas interpretado por Christopher Walken – justamente quando consegue se ver livre da prisão, onde passou muitos anos recluso, brincadeira típica do cinema de Ferrara e que dessa vez, ao contrário do que faz em Vício Frenético, acontece nos primeiros segundos do filme, e não no fim.

O que mais impressiona nesse Rei de Nova York, porém, é a facilidade com que ocorre toda a diluição entre as camadas sociais desse império nova-iorquino, impecável mesmo quando pretende deixar implícito por detrás da imagem a questão de proximidade entre céu e inferno que ele tanto gosta de trabalhar, e que é feita da maneira mais elucidativa possível, promovendo um ponto de fusão indissolúvel entre a elite e o baixo calão do crime metropolitano – que tem como exemplo mais óbvio a instalação do forte particular do ‘chefão’ num hotel de luxo pra tratar de negócios com traficantes negros e promover orgias e bebedeiras.

O entrecorte dos últimos dias de Frank pelas seqüências em que mostram a relação pessoal e de trabalho entre os policiais, aliás, também facilita e engrandece a exploração dessas facetas de elite e escória, lei e crime, derretendo definitivamente a barreira entre o bem e o mal – em especial através das brilhantes seqüências que abordam o desejo de vingança pelo qual se dá a empolgação dos oficiais para com a captura do criminoso – que, aliás, é mais uma grande incógnita de Ferrara, e um dos melhores personagens de Walken, inclusive tratando ao mesmo tempo da construção de um hospital para o bairro em que vive e da negociação de 15 milhões de dólares em cocaína – seu discurso no encontro com o policial, bem ao fim do filme, deixa isso tudo ainda mais misterioso, juntamente com as referências a Nosferatu e a um ou dois planos vampirescos.

O momento mais espetacular – em todos os sentidos – de O Rei de Nova York, por sinal, ocorre justamente quando esses policiais põem à prova seu desejo de vingança, invadindo uma festa que serviria para negociação de drogas. A seqüência deve durar pelo menos uns 15 minutos, desde o princípio da festa até o momento em que se conclui o tiroteio entre as partes. E mais do que seu teor, o que fascina é a técnica brilhante, ágil e linda que embala uma seqüência de ação das mais empolgantes. Ferrara transforma a noite em um imenso painel azul, que em determinados momentos vai sendo rompido pelas luzes artificiais de postes, lâmpadas, reflexos, tiros, o que for, e ganha uma ajuda importantíssima da chuva que esbarra nos vidros dos automóveis nos momentos de perseguição. É um belíssimo contraste com a decupagem sufocada de outros filmes seus, principalmente de Os Chefões, sempre escuro e lacrado em ambientes pequenos, mas ainda assim não é suficiente pra tirar da seqüência sua força de horror, já que a ação é tão cruel quanto qualquer outra. E é meu momento preferido do filme, ainda que o final seja tão maravilhoso – é o final mais atmosférico já filmado – que se transforme rapidamente em um concorrente direto e perigosíssimo para o posto.

4/4

Daniel Dalpizzolo

5 Comentários

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5 Respostas para “O Rei de Nova York (Abel Ferrara, 1990)

  1. Nossa Daniel, eu nao conheço nada da filmografia de Abel Ferrara. Gostei da resetnha sobre esse filme. O Walken é otimo, e vou procurar assisti-lo.
    sds!

  2. rafaéu

    Foras, O rei de nova york, a hora do lobo, … esses dvds sao comprados ou só tem uma locadora muito boa na sua cidade???

    Ps.: added!

  3. Luis Henrique Boaventura

    Boas locadoras são exatamente o que nossa cidade (Erechim, minha e do Daniel) não tem, Rafa, haha. A Hora do Lobo eu tive que baixar (de todo modo, o dvd não foi lançado no Brasil). E por falar nisso, estava há dias mesmo pra perguntar onde o Daniel está conseguindo os Ferraras…

  4. Daniel Dalpizzolo

    O melhor amigo do homem não é o cachorro, é o Emule.

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