Lisa e o Diabo (Lisa e il Diavolo / Lisa and the Devil – Mario Bava, 1973)

Lisa e il Diavolo é a alegoria substancial da perdição humana, entregue e rendida num pesadelo paralelo aos feitiços de um manipulador mais terrível, mais pervertido e articulado, cheio de um bom humor como manifestação quase sexual do seu talento: Mario Bava.

Se o senso comum nos traz os autores sempre como deuses onipotentes de seus mundos, Bava faz questão de ser o diabo, e na verdade é próprio desses italianos a exploração basicamente da mesma história de personagens jogados num labirinto de lâminas e de sangue sem outra saída possível que não seja o próprio inferno, e por isso que Lisa e o Diabo é tão impressionante, tão diferente. Banho de Sangue, Terror nas Trevas e até Tenebre são todos exercícios pulsantes de inventividade, documentos de apologia total à criatividade e à imaginação acima de todas as coisas, mas é em Lisa e o Diabo que Bava se volta totalmente para a própria obra, desvelando com um olhar interno sobre os mecanismos, artifícios e engrenagens deste discurso de absolutismo autoral.

É a partir deste princípio que Bava construiu aquela que provavelmente é a mais perfeita síntese da ação de um criador sobre suas criaturas, divertindo-se ilimitadamente, como antes e como outros, num universo próprio onde todos os personagens são marionetes à mercê da mais pura, da mais perfeita e mais nuclear definição que se pôde algum atribuir à liberdade. Queimem o que os poetas escreveram, Bava celebra o próprio poder em cada centímetro quadrado da sua obra-prima. São pouco mais de 90 minutos transcorrendo num universo onde o tempo inexiste. Uma atmosfera de cores e de luzes que se amplifica e se desconstrói pelas ordens do mestre. E é uma composição mais deslumbrante que a outra, um plano mais cuidadoso e obsessivo de quem se viu apaixonado pelo seu próprio cinema.

Lisa e o Diabo é uma ode, uma ópera de Mario Bava a si mesmo e à vazão ininterrupta da maldade que no plano da imaginação e do teatro é finalmente livre para fluir conforme o paladar carnívoro do demônio que uns preferem esconder, outros, celebrar sob os ritos sangüíneos de um verdadeiro estupro cinematográfico.

4/4

Luis Henrique Boaventura

9 Comentários

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9 Respostas para “Lisa e o Diabo (Lisa e il Diavolo / Lisa and the Devil – Mario Bava, 1973)

  1. precisarei conhecer mario brava para poder acompanhar seus posts…

    apropriei-me da idéia dos screenshots, ok? xD

    []

  2. Luis Henrique Boaventura

    Tranqüilo, é pra se apropriar mesmo. o/

    E todos precisam. Não pra acompanhar meus posts idiotas, mas porque o cara é puta que pariu de foda, e Lisa e o Diabo tá entre os 20 maiores de sempre.

  3. Recém terminando Fulcci…
    Bava na fila.

  4. Luis Henrique Boaventura

    Qual Fulci? :B

  5. Beyond, Zombie, Pavor
    por enquanto é o que já chegou.
    Deixei The Beyond por último, para o final de semana.
    Gostei bagaraio de Zombie e em Pavor ele me pareceu meio sem vontade de dirigir… talvez não devesse ter visto os dois quase um atrás do outro

  6. Luis Henrique Boaventura

    Falta ver Zombie ainda.

    Mas Pavor é tri foda. Só acho que o final não corresponde em expectativa pelo crescente alucinante em que vinha o filme, mas adoro. E tem a melhor morte do cinema, atestado em vídeo da criatividade inalcansável desses italianos.

    E Terror nas Trevas é a grande op dele, um dos maiores filmes do mundo.

  7. Gênero número e grau.. concordo com o final. Achei Zombie mais fodal, mas a cena de morte a que você se refere eu não acho que vá surgir outra igual – a lasca de madeira perfurando o olho em Zombie é alguns níveis inferior, mas melhor do que maior parte das cenas de morte que eu já vi no cinema..

  8. Victor Ramos

    Obra-prima, sem dúvidas. O desfecho de Lisa e O Diabo é um dos melhores que eu já presenciei.

  9. Que texto lindo, concordo com tudo que vc disse! “Lisa e o Diabo” é meu filme de terror favorito, junto de relativamente parecido “Rosas de Sangue” de Vadim

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