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10º Festival Internacional de Curtas de BH

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de uma semana conturbada acompanhando o 10º Festival Internacional de Curtas de BH, onde eu fui obrigado a sacrificar minha presença nas exibições das mostras competitivas internacionais em nome dos debates com os realizadores das mostras brasileiras que ocorriam em horários simultâneos, chega ao final a maratona de filmes e discussões, com uma questionável premiação por parte do juri oficial. O campeão da mostra internacional foi o filme do húngaro László Nemes Jeles, With a Little Patience (Com Um Pouco de Paciência), todo rodado em um plano-seqüência que acompanha, sempre em primeiro plano, uma mulher entrando num galpão que julgamos ser uma fábrica, pegando algumas coisas que nunca sabemos ao certo o que são, sentando-se em sua mesa, digitando algo para depois se dirigir a uma janela e ter a verdadeira visão do que se trata. Forte e inquietante, o filme parece ter merecido o prêmio com louvor, ainda que eu não possa afirmar com toda a garantia, já que não vi o restante dos filmes. Em compensação, a escolha do campeão da mostra nacional não poderia ter sido mais equivocada. Pajerama, de Leonardo Cadaval (filme que não pôde ser comentado aqui devido a um problema no dia da sessão), foi o agraciado com o prêmio do juri, mesmo não passando de uma boa animação digital sobre um índio que vê sua mata virar uma metrópole e se perde em meio às confusões do progresso. Como bem disse o pai do Rafael Ciccarini ao fim da sessão, “como desenho é bom…”, mas nunca seria merecedor do prêmio principal, mesmo se os concorrentes não fossem tão infinitamente superiores. E antes que eu liste os meus favoritos deste festival, cabe dizer que os dois filmes campeões do prêmio do público (foi um empate) eram desde muito tempo prováveis vencedores, já que em suas exibições era perceptível a completa interação com a platéia. Portanto, nada mais justo que Os Filmes Que Não Fiz, de Gilberto Scarpa, e Dossiê Rê Bordosa, de César Cabral, tenham vencido a categoria popular. Pelo menos o público teve consciência no festival.

E agora listo abaixo o meu Top 10 do festival, que dentre obras-primas do curta-metragem nacional, provou o grande potencial da produção dos futuros cineastas do longa-metragem do nosso cinema:

1- Areia (Caetano Gotardo)
Trópico das Cabras (Fernando Coimbra)
2- Convite Para Jantar Com o Camarada Stalin (Ricardo Alves Jr.)
3- Dossiê Rê Bordosa (César Cabral)
4- Décimo Segundo (Leonardo Lacca)
5- Sentinela (Afonso Nunes)
6- Os Filmes Que Não Fiz (Gilberto Scarpa)
7- Satori Uso (Rodrigo Grota)
8- Um Ramo (Marco Dutra e Juliana Rojas)
9- Ismar (Gustavo Beck)
10- Dreznica (Anna Azevedo)

Thiago Macêdo Correia 

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10º Festival Internacional de Curtas de BH

PRIMEIRO DIA

Na sexta-feira, 25/07, teve início em Belo Horizonte a décima edição do Festival Internacional de Curtas, que irá acontecer no cine Humberto Mauro até o dia 31/07, com exibição de filmes de vários países, dentre mostras competitivas nacionais e internacionais, retrospectivas de nomes laureados na mídia do curta-metragem, como Carlos Magno e de outros já consagrados no cenário restrito do longa-metragem, como Karim Ainöuz, entre outras exibições especiais. No primeiro dia de festival eu pude acompanhar a exibição da primeira série de filmes, na mostra Competitiva Nacional 1, que comento a seguir:

PEIOTE (Cao Guimarães)

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2/4

A câmera-olho de Cao Guimarães envereda mais uma viagem sobre as cores, sons e signos de culturas latino-americanas em Peiote. O documentário de 4 minutos funciona quase como um clipe da realidade, pontuado por música e movimento, mostrando um grupo de dança folclórica se apresentando em uma praça, na Cidade do México. Se aqueles homens lá fantasiados buscam manter viva a cultura de seus antepassados, Cao lança o olhar sobre o futuro dessa cultura, na forma de um garotinho de não mais que 5 anos, observando aquele mundo adulto e fantástico. O olhar do diretor pára nas reações, na dança e na alegria desse garoto, que nunca percebe a observação distante e age de modo natural, em meio aos dançarinos. Uma visão de um futuro se unindo em comunhão com um passado necessário.

CARTA DE UM JOVEM SUICIDA (Marcelo Ikeda)

1/4

O diretor Marcelo Ikeda se assume como um “homem da família”, graças às tradições de sua família oriental. Assim seu filme poderia ser resumido como um filme sobre a família, a princípio. Ao acompanhar as reações de uma mãe ao ler a carta deixada pelo filho que decide acabar com a própria vida, Ikeda leva para a tela essa observação da dor e o processo de adaptação com a nova condição desta mulher. O que impossibilta a incursão do público na proposta do diretor é justamente a opção que ele tomou para fazê-la, filmar tudo em um plano seqüência.

A idéia do plano seqüência é naturalmente associada à não intervenção num cenário previamente concebido, sem música, sem cortes, simplesmente uma observação da ação. Mas no caso de Ikeda a pretensão fala mais alto e seu filme acaba observando não só um momento real da personagem, mas também um momento da idéia, da memória ou do futuro. A cada momento em que a atriz sai de um determinado ambiente para estabelcer um tipo de ação em outro, o cenário anterior é totalmente modificado por uma equipe que nunca vemos mas que sabemos que correu bastante para modificar todas as coisas, dando a impressão de passagem de tempo em cada um desses momentos. Poderia funcionar perfeitamente caso funcionasse perfeitamente, mesmo que “traindo” a idéia da não intervenção externa. O caso é que é tudo tecnicamente precário, contando com uma fotografia de pouca definição (que em certos momentos te distancia absurdamente da expressão da atriz, que poderia determinar um maior nível de emoção na cena) e falha em muitos momentos, como quando a atriz volta a primeira vez para o quarto do filho após ter lido a carta e vemos no alto a clara luz direta de um fresnel e as mudanças de temperatura quando a câmera sai do ambiente. Sem contar a necessidade melodramática do diretor em caracterizar a ação do modo mais óbvio possível, fazendo da carta lida numa narração em off um excesso de lugares comuns (o filho era um outsider, gay, não era compreendido no trabalho, etc) e se valendo de jogos com o público, projetando idéias não verdadeiras para aumentar a expectativa, como no momento em que a mãe abre a janela e fica parada na frente dela por um tempo, como se fosse talvez, ela mesma, acabar com a própria vida. Esse casamento de proposta cinematográfica crua em união com narrativa pseudo-carregada dramaticamente é tão infeliz que o diretor ainda encerra seu filme voltando ao ponto do início, quase como assinando todas as explicações que deveriam ser dadas ao público, não permitindo nenhum tipo de participação externa naquela narrativa, que ao invés de emocionante e bem executada resultou em um artifício frio e falho.

CASA DE MÁQUINAS (Maria Leite e Daniel Hertel)

3/4

Casa de Máquinas é como um resumo do processo, quando o fazer interessa tanto quanto o produto acabado. É como ver um Robert Altman interessado nos ensaios de um grupo de balé para depois mostrar o resultado em De Corpo e Alma. Em Casa de Máquinas, o belo resultado de uma bailarina artesanal dançando suas pernas de madeira no ar é fruto de todo um processo mecânico de formas e movimentos dentro da própria “fábrica” que é caixinha que esconde as cordas que a movimentam – e muitas outras coisas. Feito em um stop motion fotografado de modo belíssimo e com uma trilha sonora lúdica, Casa de Máquinas é desses filmes onde o encantamento reside no que está escondido e no que é mostrado, como a revelação de um truque de magia.

OS FILMES QUE NÃO FIZ (Gilberto Scarpa)

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4/4

O que mais se vê no meio cinematográfico são os famosos diretores sem filmes, aqueles que tem inúmeros projetos na manga, prestes a ganhar algum tipo de forma, muitas outras idéias na cabeça e nenhum produto consistente em mãos. Gilberto Scarpa era um desses “diretores” e se valendo dessa condição decidiu finalmente fazer um filme sobre esses filmes que nunca foram feitos. O ótimo Os Filmes Que Não Fiz tem estrutura de documentário imaginário do diretor, com uma estrutura simples onde ele mesmo cita os projetos idealizados por ele e nunca concretizados e, deste modo, os filmes finalmente viram filmes neste filme. A metalingüagem em sua forma mais direta – e hilária. Gilberto Scarpa é ele próprio um ótimo personagem, caricatura de si e de todo esse tipo de pessoa, sempre depositando a culpa pela não concretização de seus planos em leis que não os beneficiam, não compreensão artística ou, como ele bem diz, no início do filme, na astrologia. Com extremo bom humor e sofisticação estética (direção de arte, figurinos, montagem, fotografia e atuações irretocáveis) Scarpa fez um grande e pessoal filme sobre o amor ao cinema. E assim vira, de uma vez por todas, um diretor.

AMARAR (Emanuel Mendes)

2/4

Em alguns momentos Amarar parece remeter ao sonho. Em seguida nos coloca numa perspectiva de visão de futuro, para depois se revelar como visão de passado, memória. E por fim, trauma. A riqueza da história contada por meio de animação estática, que revela por zooms que nos aproximam e distanciam do relato o tempo todo, pontuados por uma linda trila sonora é perdida por uma conclusão de narrativa por meio de símbolos de uma vida perdida e que se ausenta. A personagem está sempre só e se olha num espelho partido, quando criança, para depois vermos a mesma personagem, já adulta, numa praia calma e se observando pelo mesmo espelho intacto. Seu reflexo de um passado mais recente lhe trás dor e esta se manifesta na negação daquele e tal impossibilidade a leva de volta ao sonho pueril. Se em determinados momentos os signos do filme imprimem alguma tentativa de riqueza, reforçados pelas presenças de Djin Sganzerla e da histórica Helena Ignez, isso se perde na tentativa pesada do diretor em buscar uma solução para aquela fuga idílica da personagem. O retorno à animação estática no fim só revela tristemente que a proposta se perde quase que por completo.

Thiago Macêdo Correia

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