210 minutos é o tempo requisitado por este petardo inigualável de Jean Eustache. São os mais longos e torturosos minutos jamais filmados, os mais sensíveis, subversivos e verdadeiramente avassaladores também. É fruto claro de toda a baderna em torno de Maio de 68, movimento estudantil e perda de perspectivas da juventude européia do início da década de 70, mas o que realmente fica pode muito bem ser assimilado se contextualizado com qualquer outro período histórico – especialmente os de maior desorientação, como hoje.
Pode-se buscar a grosso modo uma definição como filme de relacionamentos, assim sendo, um filme sobre o humano e sua clara imperfeição. A Mãe e a Puta tem início com Jean-Pierre Léaud, ator fetiche da nouvelle vague, sendo rejeitado por um affair. Seguimos a partir daí seus passos entre a vida com a colega de quarto – namorada de relacionamento aberto – e uma enfermeira que aos poucos começa a conhecer – num terceiro momento, temos a intersecção entre as duas vidas na inconscientemente consciente tentativa de um relacionamento a três.
É ao mesmo tempo o mais simples e calculado dos filmes. Cada movimento, gesto ou palavra parece ter sido devidamente filtrado por Eustache em busca da exatidão em seu super-controle de tempo e ação. Há um equilíbrio por vezes inacreditável na forma como cada momento – sem necessariamente representar uma ação – é coligado ao próximo, e assim mantém-se até a rigorosamente opaca mise en scéne implodir em um dos mais bem sustentados closes do Cinema – onde há também a ruptura de todas as idéias apresentadas até então sobre estereótipos trabalhados nas entrelinhas.
O resultado é tão devastador quanto a trabalhada idéia de solidão, vazio e necessidade. Eustache veicula cada movimento do filme como vertente à verbalização da idéia final – quão bom seria se todos soubessem decidir exatamente o que há a se dizer. E se, ao final de tudo, podemos ver uma grande ponta de esperança no subversivo momento derradeiro, há também uma espécie de fortificação da dúvida que se cria através da lembrança da enérgica e pragmática falta de sentido de tantos outros.
Trata-se, afinal, do humano.
4/4
Daniel Dalpizzolo
oobra prima