De certa forma, o que Welles faz em Verdades e Mentiras não está muito longe daquilo que havia feito antes em qualquer um de seus filmes, com a diferença de que neste caso ele realmente assume estar brincando o tempo todo com a percepção do espectador e com a profundidade das imagens. E talvez tenha sido justamente essa liberdade de escancarar o verdadeiro sentido de sua arte – não é coincidência alguma ele começar F For Fake com um show de mágica e ter iniciado sua própria carreira fazendo números desta espécie – a grande responsável por transformar esse falso-documentário sobre falsificação no trabalho mais pessoal de Welles.
O jogo armado aqui, aliás, muito distante de pesquisar qualquer ponto de dissolução entre a verdade e a mentira, termina sendo uma das grandes obras-primas da carreira desse mestre obscuro do cinema – explico o obscuro: obscurecido detrás de seu filme mais famoso, o revolucionário Cidadão Kane, nem de longe seu melhor filme, embora excelente -, sempre instigante e dono de algumas das seqüências mais emblemáticas assinadas por ele, além de servir como uma espécie de mídia confissionária nos momentos em que Welles finalmente assume a charlatanice como sendo sua principal característica desde sempre, comparando seus próprios atos – ou simplesmente colocando-os lado a lado – com os de alguns dos mais famosos falsificadores do século XX.
É uma seqüência-chave da própria filmografia do Welles, e fica clara a vontade que o diretor tinha de se assumir desde sempre como um grande filho da mãe – coisa que todo o artista é, mas que alguns, em especial quando o termo é ligado ao cinema, vêem incompreensivelmente como um termo pejorativo – não fora, mas dentro das telas, enquanto ator dos seus próprios filmes. Acabou fazendo isso da maneira mais justa, entregando ao espectador um trabalho complexo e instigante que, como sempre, mantém sua cerne totalmente desenhada sobre a trapaça cinematográfica, grande responsável por fazer de Welles um dos mais importantes e fundamentais cineastas de toda a história – posto que qualquer plano ou seqüência montada deste ou de A Marca da Maldade pode justificar sem mais palavras.
4/4
Daniel Dalpizzolo
Nao conheço nada do Welles, só vi Cidadão Kane. Mas meu parceiro do blog ficou fã do Marca da Maldade. Esse aí foi o ultimo filme do Welles?
Penúltimo.
E A Marca da Maldade é um dos meus preferidos do mundo, talvez entre os dez mais. Corra pra ver.
Abração.
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